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“Os políticos ainda não compreenderam que investir no desporto é investir na saúde”

Jornal do Ave

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“Planos Estratégicos de Desenvolvimento Desportivo Municipal” é o nome do livro que o avense Jorge Machado lançou recentemente, depois de apresentar a tese de mestrado.

Em entrevista ao Jornal do Ave, o também presidente da Assembleia de Freguesia de Vila das Aves sublinhou “a importância do planeamento na definição das políticas públicas de desenvolvimento desportivo”, num plano municipal, através de uma intervenção que deve ser “planeada, sustentável e preocupada com as gerações futuras”.

Jornal do Ave (JA): Como surgiu a ideia de escrever este livro?
Jorge Machado (JM):
Digamos que resultou de um encontro feliz entre vontade e circunstância. Na origem do livro está a tese apresentada por mim, em novembro passado, às provas públicas da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto para a obtenção do grau de mestre em Gestão Desportiva, e que teve como propósito a elaboração de um plano estratégico de desenvolvimento desportivo para o Município de Santo Tirso.
Foi, portanto, esta circunstância e a enorme vontade que sempre tive de escrever um livro, que me motivou a avançar com este projeto.
Consciente desta necessidade, o livro defende a realização de planos estratégicos de desenvolvimento desportivo, documentos condensadores e que devem refletir a estratégia de uma qualquer autarquia na implementação da sua política desportiva, através da aplicação de metodologias participativas, de planeamento operacional e estratégico, bem como da consciencialização para uma melhor racionalização dos recursos públicos, procurando questionar os leitores sobre a pertinência de novos modelos de governança, de uma nova sensibilização para o desenvolvimento sustentável no seio do Desporto e para a preservação do meio ambiente. Acredito particularmente que só através desta consciencialização será possível às autarquias locais estarem preparadas para as exigências do século XXI.

JA: Como é que as autarquias locais devem desempenhar o seu papel no desenvolvimento desportivo?
JM:
O Desporto está consagrado na Constituição da República Portuguesa, pelo que é uma matéria de interesse público. No ordenamento jurídico, o enquadramento legal do Desporto nas autarquias locais está disperso em vários diplomas.
Nesta medida, a administração pública, central e local, deve repartir responsabilidades na sua promoção, através de políticas públicas que garantam o acesso à prática por parte de todos os cidadãos.
Ora, todos reconhecemos que os municípios são a autarquia local que sempre teve uma importante intervenção no domínio do Desporto, sendo os principais promotores e dinamizadores do desenvolvimento desportivo local e, por maioria de razão, os principais promotores e dinamizadores do desenvolvimento desportivo nacional.
É, portanto, inquestionável a forte aposta que os municípios fazem no Desporto, seja numa lógica de promoção da atividade física, saúde e bem-estar, seja numa lógica de afirmação territorial e de promoção do que de melhor os seus territórios têm para oferecer.
Desta forma, acredito que, tal como no passado, as autarquias locais são, no presente, e serão, no futuro, extremamente importantes para o desenvolvimento desportivo, a todos os níveis e em todas as suas dimensões, pelo que continuarão a ter uma responsabilidade crescente na sua configuração.
Para que tal ocorra, há a necessidade de encontrarmos uma melhor governança para o Desporto e uma liderança capaz de planear e projetar o futuro. O processo de planeamento é um processo que envolve, simultaneamente, decidir e agir, pelo que há a necessidade de uma liderança no Desporto capaz de estar à altura das exigências dos tempos de hoje. Liderar é gerir, dirigir e inferir. É antecipar e perspetivar, procurando um justo equilíbrio entre todas as variáveis envolvidas no processo de decisão.

JA: No caso concreto de Santo Tirso, como é que esse trabalho tem sido feito?
JM:
Creio que o município de Santo Tirso tem consciência da importância do Desporto, razão pela qual tem realizado uma forte aposta nesta área. Entendo que Santo Tirso tem seguido um caminho interessante, dando passos sólidos e objetivos na procura de melhores soluções.
Os exemplos do bom caminho que Santo Tirso tem seguido são vários, desde a aposta na promoção da atividade física, como elemento promotor de saúde, bem-estar e da adoção de comportamentos saudáveis; da aposta no Desporto como ferramenta de intervenção e transformação social; da aposta na construção e requalificação de infraestruturas desportivas; na diversidade da oferta de programas e modalidades desportivas; no apoio ao associativismo desportivo; entre muitos outros.
Claro está que há sempre margem para evoluir, faltando ao município, por exemplo, algumas instalações desportivas e uma maior aposta no desporto em contexto de natureza.
Esta atuação transversal permite que o Desporto assuma grande importância na estratégia de desenvolvimento do município de Santo Tirso, até porque o nosso território possui caraterísticas ímpares para a prática desportiva, seja ela em contexto formal ou informal, competitivo ou de lazer, quer pelas condições naturais da região em que nos inserimos, quer pela qualidade dos equipamentos desportivos existentes, que permitem a prática desportiva das mais diversas modalidades, ao ar livre e indoor, com o maior conforto e competência.
Quanto ao caminho a percorrer, não me compete a mim, aqui e agora, falar-vos sobre esse percurso, até por razões óbvias relacionadas com a minha responsabilidade profissional. No entanto, posso dizer-vos que Santo Tirso pode e deve continuar a utilizar o Desporto como um instrumento de afirmação territorial, a nível nacional e internacional; e como um instrumento de promoção de um estilo de vida saudável e de intervenção e transformação social.

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JA: Como é que as autarquias podem “fintar” dificuldades para “acudir” às necessidades das diferentes associações/modalidades?
JM:
As autarquias locais assumem vários papéis na qualidade de promotoras do fenómeno desportivo, designadamente pela sua intervenção ao nível das infraestruturas desportivas; ao nível do apoio ao associativismo; ao nível do desenvolvimento de projetos e programas desportivos; ao nível da sua preocupação com a saúde e bem-estar; ao nível do espetáculo desportivo; ao nível da promoção do desporto para todos; ao nível da promoção do desporto de alto rendimento; ao nível da capacitação dos agentes desportivos; ao nível da promoção da ética e do fair-play; enfim, muitos mais exemplos poderiam ser aqui enumerados sobre a intervenção das autarquias no seio do Desporto.
Porém, em todas estas intervenções há claramente um denominador comum, nomeadamente o facto de ser reconhecido às autarquias locais o papel crucial que representam na concretização e democratização do desporto, da atividade física e do exercício físico (realidades distintas e muitas vezes confundidas, mas que neste momento não importa aqui esclarecer).
Posto isto, parece-me que a melhor forma de as autarquias locais “fintarem” as dificuldades é através do reconhecimento de que têm de desenvolver estratégias, processos e mecanismos que reforcem a sua atuação, por forma a poderem catapultar e promover o desenvolvimento desportivo dos seus territórios, nomeadamente através da realização de planos estratégicos de desenvolvimento desportivo, identificando, balizando e planeando, de uma forma clara e concisa, toda a sua atuação.
Cada vez mais são exigidos elevados níveis de eficiência aos decisores políticos, pelo que as autarquias terão de ter uma constante preocupação de gestão e planeamento na definição e implementação de políticas de desenvolvimento desportivo.

JA: Quais são as expectativas atuais das gerações presentes?
JM:
O Desporto nas autarquias locais não pode mais ser visto de forma isolada e à mercê da vontade discricionários dos decisores políticos. Hoje, a exigência é cada vez maior. A crise e o aperto financeiro que o país sofreu, nos últimos anos, tiveram consequências positivas, se é que assim se pode dizer, particularmente na responsabilidade e na exigência com que se gere o erário público.
No seio do Desporto, começa a existir uma corrente muito forte na defesa de um desenvolvimento sustentável, apenas possível de alcançar através de um desenvolvimento do fenómeno desportivo sustentado e preocupado com os impactos futuros da sua atuação, além do dever de ser o mais democrático possível, preocupando-se em disponibilizar uma oferta diferenciada e equitativa.
Todavia, tenho a certeza de que ninguém está em condições de conhecer, antecipadamente, quais serão os contornos da sociedade futura. Mas também sei, e sabemos todos, que se nada for feito, se não forem desenvolvidas políticas de educação ambiental, de promoção de uma cidadania ativa, assente numa administração pública atenta e eficiente, o património natural e as gerações futuras poderão estar hipotecadas e a humanidade terá sérias dificuldades em evitar o colapso.
Por isso, não tenho dúvidas que as gerações presentes estão cada vez mais despertas para esta realidade, exigindo uma gestão equilibrada e racional das necessidades atuais, sejam elas ao nível das infraestruturas físicas ou ao nível de ações imateriais, tendo em consideração o impacto que essas opções poderão ter no futuro.

JA: Quais são então os pilares em que se devem sustentar os planos estratégicos de desenvolvimento desportivo? Qual é o horizonte mais adequado para a concretização dos objetivos traçados?
JM:
A atuação de uma organização com responsabilidades no desenvolvimento desportivo não se pode basear em pressupostos subjetivos, pouco fundamentados e de caráter pontual. Esta intervenção deve ser planeada, devidamente projetada e estruturada, tornando-se evidente a necessidade de desenvolver planos estratégicos de desenvolvimento desportivo ao nível das autarquias locais, mas não só.
No que concerne ao horizonte temporal mais adequado, há autores que defendem que um período de cinco, dez ou quinze anos pode colocar em causa a taxa de sucesso e de execução do plano. Outros há que entendem que a definição de estratégias, num horizonte temporal de cinco a dez anos, não é inexequível. Ainda assim, grande parte dos autores defende horizontes temporais com alguma longevidade, permitindo a estabilidade necessária na definição dos objetivos e das metas a atingir.
Por exemplo, na tese que deu origem a este livro, o documento proposto por mim definia uma linha de intervenção num horizonte temporal de dez anos (até 2030), tendo como principal objetivo prestar um contributo efetivo para o conhecimento e compreensão do fenómeno desportivo no concelho, bem como da atuação da autarquia e dos demais agentes desportivos com quem esta se relaciona, culminado com a apresentação de um produto final e de aplicação prática, designadamente com uma proposta de um Plano Estratégico de Desenvolvimento Desportivo.
Quanto aos pilares em que se devem sustentar os planos estratégicos de desenvolvimento desportivo, a abordagem deste livro procura correlacionar os conceitos de desenvolvimento organizacional, governança e liderança, concomitantemente com o papel das autarquias locais na concretização de políticas desportivas, sustentadas no planeamento e na estratégia. Existirão seguramente outras visões, mas foi este o caminho que escolhi percorrer, procurando ser diferenciador na abordagem a este tema.

JA: Juntamente com a cultura – e segundo dados da Pordata – Portugal regista apenas 10 por cento de despesa no desporto. Como avalia esta opção política?
JM:
No que ao poder público diz respeito, a questão que se coloca é se o planeamento e a definição de uma estratégia sobrevive à vontade e à decisão política, se há a coragem na administração pública para definir uma estratégia e não ceder à discricionariedade da atividade política e da sua dependência do voto.
Esta questão é relevante, tal como é a necessidade de uma maior ligação entre políticas municipais, intermunicipais, regionais e nacionais, reduzindo os encargos do erário público e capitalizando as infraestruturas e eventos desportivos numa lógica de gestão e utilização em rede, reconhecendo a necessidade de um pensamento sustentável.
Ora, apesar da sua aparente simplicidade, o Desporto é dotado de uma enorme complexidade, ocupando cada vez mais um espaço próprio e inigualável na sociedade contemporânea, sendo, nas palavras do Prof. Doutor Manuel Sérgio “o fenómeno cultural de maior magia do mundo contemporâneo”, as quais subscrevo na integra.
Todavia, quase sempre, o Desporto não tem o tratamento que merece. Muito recentemente, na apresentação do Programa de Estabilização Económica, o Desporto foi completamente esquecido. Esta ausência é um bom exemplo do modo como é tratado e reconhecido. Infelizmente, a sociedade e os decisores políticos ainda não compreenderam que um maior investimento no Desporto é, simultaneamente, um investimento na saúde, no bem-estar e na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, isto para enumerar apenas alguns dos seus benefícios.
Ao Desporto acontece o mesmo que acontece com a Saúde, ou seja, na Saúde todo o sistema está orientado para uma lógica de combate à doença e não para uma lógica de promoção da saúde. Enquanto não alteramos este paradigma, o Desporto continuará a ser “só futebol”.
Outro bom exemplo, são os sucessivos Orçamentos de Estado. Nestes, é possível perceber que o Desporto tem sido, constantemente, uma prioridade adiada. Em 2019, a despesa pública correspondia a 0.08%! Um verdadeiro desastre. Então se compararmos este número com valores de alguns países da UE ou da América do Norte, que fazem uma forte aposta no Desporto, ainda pior.
Penso que o problema possa estar na pouca importância social que é atribuída ao Desporto, algo que me parece ser um manifesto contrassenso, na medida em que todos nós compreendemos muito bem o impacto social do Desporto, nomeadamente como importante veículo de transmissão de valores, de transformação e intervenção social.
Se a isto juntarmos o facto de termos dos melhores atletas e treinadores do mundo; dos melhores académicos e cientista desportivos do mundo; ao facto de as nossas seleções nacionais terem reconhecimento internacional e estarem sempre representadas ao mais alto nível; e de que o Desporto é uma das atividades mais perfilhadas por largas fatias da população; então menos compreensível é que tudo isto aconteça.
Deixo para reflexão a seguinte afirmação do Prof. Doutor Jorge Olímpio Bento: “o Desporto é o artefacto cultural por excelência, criado pela nossa civilização para corresponder ao desejo de instituir o corpo como instrumento de socialização em princípios e valores que elevam e qualificam a pessoa e a vida”.

Biografia
Casado e pai de três filhos, Jorge Machado nasceu nas Caldas de Vizela, em 1986, e reside em Vila das Aves. Licenciado em Direito, Pós-Graduado em Gestão Autárquica e Mestre em Gestão Desportiva, é jurista de profissão. Atualmente, desempenha funções de assessoria no Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Santo Tirso, tendo anteriormente exercido funções de coordenação na Divisão de Desporto, do mesmo município.
Além desta atividade profissional, é dirigente associativo e membro da equipa nacional de karaté, como treinador regional. É formador no âmbito do Plano Nacional de Ética no Desporto, colaborando com o iLIDH e IPDJ/PNED na qualidade de Embaixador para a Ética no Desporto.
Como praticante de karaté, é 2º dan de Shotokan e foi atleta de alto rendimento, medalhado nacional e internacionalmente, contando com 14 títulos de campeão nacional (na disciplina de kumite), em 20 anos de carreira desportiva ao mais alto nível, nos quais se destacam ainda o 14.º lugar no Ranking Mundial da WKF em -67 (2011); 5.º lugar no Campeonato do Mundo (2003); 7.º Lugar no Campeonato da Europa (2011 e 2012); Medalha de Bronze Golden League Itália (2011) e Medalha de Bronze Campeonato da Europa de Karaté Shotokan (2004 e 2009).
Recebeu a medalha de Mérito Desportivo Câmara Municipal de Santo Tirso, em 2004, e um voto de louvor desportivo da Câmara Municipal de Vizela, em 2012. Foi distinguido com o Prémio Personalidade do Ano da Confederação do Desporto de Portugal (2003).
Assina, regularmente, vários artigos e comunicações que versam sobre temáticas relacionadas com a Ética no Desporto, que lhe valeram já o 2.º Prémio na 8.ª edição do prémio de imprensa “Desporto com Ética/2019”.

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