Covid-19
Entrevista ao diretor do ACES Ave – Famalicão: “Dos 320 profissionais do ACES, temos 70 ausentes”
No Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Ave-Famalicão, há 70 profissionais, dos 320, que estão ausentes por estarem infetados ou de quarentena ou por outros motivos, como para prestar apoio a filhos menores.
No meio da “tempestade” que é gerir uma estrutura destas em tempos de crise sanitária, o diretor, Ivo Sá Machado, considera que este Agrupamento conseguiu responder às necessidades, trabalhando “em antecipação”, com a criação de áreas dedicadas ao Covid, ainda antes da fase de mitigação.
Ivo Sá Machado explicou como foram reorganizados os serviços, como está a ser gerido o material de proteção e como analisa problemas como os que se verificam nos lares residenciais.
Jornal do Ave (JA): Antes de iniciada a fase de mitigação, como se adaptou o ACES à crise provocada pelo vírus e controlou os utentes que, infetados ou com suspeitas, se dirigiam aos centros de saúde?
Ivo Sá Machado (ISM): A exemplo de outros ACES, procuramos cumprir as orientações que vinham da ARS Norte, começando a perceber como teríamos de condicionar o acesso. Inicialmente, criamos as áreas dedicadas à Covid (ADC) nas principais unidades do ACES, fechamos as unidades mais pequenas. Também nessa altura, as consultas programadas foram todas desmarcadas e ficamos com liberdade para reorganizar e redefinir serviços. Encerramos cinco unidades e aquelas onde funcionam a USF, criamos condições para diferenciar o acesso, ou seja, para aquilo que era Covid criamos oito ADC, onde fazemos o atendimento diferenciado aos doentes respiratórios, e o atendimento às situações agudas, a crianças e grávidas. Inclusivamente, garantimos a consulta aberta para prescrição de medicação crónica ou renovação de baixas.
Com o aumento considerável dos infetados, mesmo antes da fase de mitigação, avançamos para que os serviços ficassem mais centralizados e penso que duas semanas antes começamos a definir o que iria ser a resposta nos ADC. Criamos em Ribeirão, em Famalicão e em Delães. Em Joane, temos a resposta às situações agudas, sendo que também há este tipo de resposta em Delães, em Famalicão e em Nine.
Relativamente ao atendimento às crianças e às grávidas, um está centralizada em S. Miguel-o-Anjo e outra em Requião, num esforço de evitar o cruzamento de doentes Covid com estes utentes.
Fizemos um esforço de trabalhar em antecipação e, a partir do momento em que recebemos orientações para ter ADC, informamos que já havia três criadas.
JA: Como se encontra o ACES, e refiro-me aos profissionais, no que respeita a ausências devido a contaminação ou outros motivos relacionados com a pandemia?
ISM: Somos 312 colaboradores e segundo os números de que disponho, que são de há uma semana, tínhamos 24 casos de infeção. Entre médicos, enfermeiros, assistentes técnicos e assistentes operacionais, acho que não estamos muito mal. Isto é muito localizado, por exemplo, numa unidade, que só não foi encerrada porque conseguimos alocar outros profissionais, tivemos 12 casos, quatro positivos e oito suspeitos.
No entanto, ausentes, entre infetados ou de quarentena e aqueles que estão a prestar apoio a filhos menores, temos cerca de 70 profissionais.
Mas de um modo geral, não temos um grande problema, penso que o maior problema serão os lares residenciais que, como é do conhecimento geral, não se verifica só aqui, mas um pouco por todo o país.
JA: Como avalia o comportamento dos utentes, relativamente às alterações e adaptações no ACES perante esta crise?
ISM: Os utentes perceberam, de facto, as alterações que fomos fazendo. Mesmo nas unidades que fechamos, falei com os presidentes de junta e expliquei que tínhamos de o fazer para bem de todos nós. Como não tínhamos as consultas programadas, também não fazia sentido ter todas as unidades em funcionamento, mas demos soluções para quem precisa de prescrever medicação, renovar baixas ou para situações agudas.
As pessoas aceitaram e perceberam que, perante a gravidade da situação, tinha de ser mesmo assim.
JA: Relativamente ao material de proteção, tem chegado em quantidade suficiente?
ISM: Quando o Governo quis ir para o terreno e comprar, já muitos estavam no mercado e, portanto, primeiro que nos fornecessem a nós, tinha de ser de forma racionada. Por isso, no início foi muito complicado, fomos dando resposta, racionalizando os meios, porque eles não abundavam, continuam a não abundar, mas os últimos carregamentos que chegaram da China ajudaram a minimizar os problemas. Nós temos de ser racionais também, na medida em que se for decretada a obrigatoriedade do uso da máscara cirúrgica pelos cidadãos, isso vai implicar necessidades adicionais. Apesar de tudo, temos stock, mas sabemos que começando a distribuir em determinados locais, vai rapidamente desaparecer.
Nos nossos centros, sempre que entra alguém sem máscara, recebe uma para estar em segurança num ambiente fechado. Não pode ser de outra maneira.
JA: Já há alguma expectativa de quando poderão ser normalizados os serviços Não-Covid?
ISM: Todos nós estamos ansiosos, todos nós observamos o achatamento da curva e ficamos cada vez mais experts quando se fala nestas coisas. Eu tenho dados do meu ACES e devem seguir uma tendência da zona envolvente. Todos os dias anotamos o número de casos suspeitos e notamos esse achatamento, ou seja, imagine que ontem foram 14, hoje são 13 e amanhã podem ser 11. De facto, nota-se que, se inicialmente, havia saltos, agora não se notam esses saltos, mas sim um certo achatamento. Isso leva-nos a achar que estamos no bom caminho, mas numa evolução muito lenta.
É um indicador positivo, não é a loucura que vemos noutros países e isso dá-nos algum conforto. Estes dias em que as pessoas estiveram em casa, tirando algumas loucuras que a televisão foi mostrando, julgo que a população intuiu a necessidade de ficar em casa e respeitar o confinamento.
Quando é que isto, verdadeiramente, vai descer? Vamos ver. Temos de nos manter atentos ao achatamento da curva e às situações dos lares, porque, no concelho, temos cerca de 70 casos oriundos dessas valências.
O problema dos lares residenciais
“Os dois casos em Famalicão, no Lar Pratinha e em Bairro, foram preocupantes. O município tem 26 lares residenciais e se isto se observasse em todos eles, estávamos tramados. Felizmente, estes dois casos foram isolados e com o problema de uns, outros aprenderam e atuaram a tempo, ao ponto de mitigar o efeito do contágio.
A pressão para que os lares recebam pessoas é enorme. Não é estranho ouvir falar das quantias financeiras necessárias para conseguir pôr um idoso num lar, por isso a tentação é muita. Haverá lares que, se calhar, não têm condições para ter 40, mas tem lá 50 e outros que são mais rígidos e, se calhar, com isso, ganharam. É fácil acusar, mas nesta fase o que interessa não é acusar, mas resolver o problema. Mas eu espero que isto sirva de lição para as entidades, no sentido de que a ganância não pode servir tudo, porque, entretanto, agora estão a pedir ajuda aos enfermeiros e aos médicos do ACES e o ACES também tem profissionais em casa e tem de continuar a dar resposta aos utentes, nas unidades, e no atendimento ao domicílio”.
O foco de contágio no Norte
“Em grande parte, tem a ver com a realidade industrial da região. E o concelho de Famalicão por excelência, não fosse ele o terceiro mais exportador do país. Muitos dos profissionais das empresas, sobretudo em março, não fazem outra coisa que não visitar feiras e a promover produtos, com tudo o que tem de inconveniente numa situação destas”.
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