Santo Tirso
Rui Sobral lança livro em Santo Tirso: “A escrita é uma atividade muito dolorosa, mas não há outra forma de me dar consolo”
Poeta e escritor nascido em Santo Tirso, Rui Sobral lança, na terra natal, “noturnos”, obra marcada por uma escrita introspectiva e visceral sobre a sobrevivência, o trauma e a condição humana.

Poeta e escritor nascido em Santo Tirso, Rui Sobral lança, na terra natal, “noturnos”, obra marcada por uma escrita introspectiva e visceral sobre a sobrevivência, o trauma e a condição humana. A sessão está marcada para 31 de maio, às 15h30, no Auditório da Biblioteca Municipal de Santo Tirso. Licenciado em Línguas Aplicadas, mestre em Sociologia pela Universidade do Minho e doutorando em História, o autor, que tem outro livro publicado (“A nu”, 2014), em entrevista ao Jornal do Ave, afirma-se como um artesão disciplinado das palavras e recusa romantizar o ato de escrever: “Não fico à espera da inspiração nem sofro com a página em branco.”
Jornal do Ave (JA): O que representa para si o lançamento de “noturnos”, sobretudo enquanto autor natural de Santo Tirso?
Rui Sobral (RS): Eu vejo este livro como uma longa caminhada e uma meta alcançada. E como um lançamento deste género tem, para mim, um caráter de desprendimento entre o escritor e a obra, isso representa também um desapego ao livro como autor dele, e passo, finalmente, a ser leitor dele.
Sobre o facto de o lançamento ocorrer em Santo Tirso, eu encaro isso como um gesto de responsabilidade e profunda realização. A cidade tem um valor simbólico forte para mim, afinal, foi aqui que acredito ter nascido, onde cresci e experimentei a maior parte das coisas que fizeram de mim a pessoa que sou, e é também onde muito do que está neste livro teve origem.
JA: Como nasceu este livro? Houve algum momento ou contexto que tenha sido o ponto de partida para a escrita desta obra?
RS: Não houve um momento específico, além disso, penso que mais do que o seu nascimento, este livro é o resultado de acumulações. Ele foi escrito antes de ser escrito, eu nem sabia que o escrevia, inclusive, nessa altura, eu ainda nem sabia escrever.
Outra coisa, foi o processo de reescrita com intenção de publicação, e sobre isso eu consigo datar mais ou menos, mas não é nenhuma história extraordinária, é provavelmente aquele ímpeto de que Balzac falava sobre a publicação como proposta de longevidade, uma quase ideia de imortalidade que o escritor pode sentir. E às vezes, ingenuamente, permito-me sentir essa vaidade.
JA: O título “noturnos” remete-nos para um certo ambiente introspectivo ou contemplativo. Que significado assume no contexto da obra?
RS: Eu não sei bem, de verdade. Eu costumo dizer que sou a pessoa com menos autoridade para falar das coisas que escrevo, e subscrevo-me também aqui. Possivelmente, o título remete diretamente para o tempo e o tom no qual o livro foi escrito, o facto de, se calhar, quase tudo ter sido escrito à noite; mas pode ser também uma referência aos noturnos musicais, como peças densas e silenciosas, também escritas à noite. Mas tudo isto são tentativas de justificar o que não sei, acredite que eu não sei dizer ainda muito sobre o livro; é que, muitas vezes, o livro escreveu-se e reescreveu-se sozinho e eu não tinha mão nele.
JA: Quais são os grandes temas ou inquietações que percorrem estes poemas?
RS: São o absurdo da existência, o estarmos bem e estarmos mal sem motivo, vivos e mortos, doentes e em festa; a solidão, possivelmente; a morte, sempre; o trauma, a infância, a ansiedade, a ausência de sentido, as pessoas doentes de pobres, os pobres coitados doentes de ricos, as mulheres que sofrem e os homens também, as crianças abusadas, as pessoas nas cadeias, as pessoas sem casa, não sei bem. Talvez os poemas do livro falem sobre a sobrevivência das pessoas perante as outras pessoas e o que as rodeia, com este mundo impossível de lidar sem poesia, literatura, arte, cultura, ou álcool e outras drogas ou outras coisas igualmente desaconselháveis para quem quer viver muitos anos e com saúde. De que falam todos os poemas no mundo senão da sobrevivência das pessoas, dos amores perdidos, do nascer e do morrer, dos outros animais? Eu penso que este livro não é muito diferente.
JA: Pode falar-nos um pouco sobre o seu processo de escrita? É algo disciplinado ou mais intuitivo?
RS: Eu tento ser disciplinado, de outro modo não funciona para mim e eu não funciono na vida. E também não romantizo a literatura, o que me parece ser um bom ponto de partida para o trabalho aparecer feito. Eu não fico à espera da inspiração nem sofro com a página em branco: para mim, tudo isso atrasa o ofício de escrever. Além disso, depois, eu preciso reescrever, então, muita indisciplina na escrita, não resulta, pelo menos comigo. E depois, escrever é um trabalho, e ninguém chega ao trabalho à hora que quer por não estar inspirado. É claro que é um trabalho que, no meu entendimento, é muito difícil de ser feito, mas não deixa de ser um trabalho: no momento em que o enfermeiro está no hospital ou o mecânico na oficina, ou a rececionista na secretária, eu estou a escrever, e está toda a gente a trabalhar. Mas reforço que sim, escrever não é um trabalho recomendável! Aliás, ainda noutro dia ouvia o Bruno Vieira Amaral dizer que se não for para ir lá baixo, ao
fundo, não vale a pena escrever. Então, tudo isso exige compromisso. A escrita é uma atividade muito dolorosa, dá-me um medo terrível escrever, mas dá mesmo, não o digo por dizer, e quando não escrevo mais é por pavor, já perguntei a outros escritores se sentem o mesmo e alguns sentem, sim. Kafka nunca me disse, mas ele também sentia, ou Antero. Enfim, mas ao mesmo tempo, não há outra forma de eu me dar consolo, então, como posso não ser disciplinado com uma coisa tão estrutural da minha existência? Como posso só escrever quando estou com determinada intuição? E o meu processo de escrita é simples: agendar a hora para começar e para terminar de escrever, rezar para não ser muitas vezes interrompido e tentar parar à hora agendada.
JA: Como é que a sua ligação a Santo Tirso e à região se reflete na sua escrita?
RS: Eu conheço Santo Tirso, o meu berço e infância também conhecem, a minha adolescência a mesma coisa. Repare, eu nunca estive tanto tempo noutro lugar que não em Santo Tirso, por mais que já tenha vivido em outros sítios, então, a cultura da cidade está em mim, e não é desejável para mim distanciar isso da minha escrita. Eu não escrevo propriamente sobre a cidade, não é isso que estou a dizer, mas a cidade está nas coisas que eu escrevo, percebe? E depois há outro ponto interessante, é que tudo o que eu escrevo é deliberadamente autobiográfico e também ficcional, e mesmo que não o fizesse de forma deliberada, o resultado não seria diferente, porque é impossível
dissociar as duas coisas. Eu penso que é isso, a minha escrita resulta da minha cultura, dos lugares onde fui e sou, das minhas experiências, e a partir daí, correndo tudo bem, faz-se ficção.
Excerto de poema incluído em “noturnos”
“oito mil novecentos e setenta e cinco, quatorze e vinte e um”
“a casa estava pesada
como se todas as palavras tivessem morrido no
meio da frase
houve uma noite em que a mãe dormiu fundo
demais
engoliu a solidão com goles longos e decididos
os frascos vazios sobre a cabeceira
tinham o ar cansado de quem já não quer explicar-se”
-
Edição Papel1 semana atrás
Edição papel nº300 do Jornal do Ave
-
Biz & Tech2 semanas atrás
Recebeu uma SMS para pagar uma multa da GNR? Cuidado, é burla!
-
Desporto2 semanas atrás
Rali de Santo Tirso regressa dias 9 e 10 de maio com Super Especial Noturna junto ao Mosteiro de São Bento
-
V.N. de Famalicão1 semana atrás
Lousado: Comissão de Festas da Romaria Nova pede apoio para celebrar 149 anos de tradição
-
Santo Tirso2 semanas atrás
Câmara de Santo Tirso lança concurso público para projeto de reabilitação do antigo Cine-Teatro
-
Santo Tirso1 semana atrás
Escuteiros de São Martinho do Campo vivem aventura “inesquecível” nos Açores
-
Santo Tirso6 dias atrás
GNR esclarece alegada tentativa de rapto em escola de Santo Tirso: tratou-se de mal-entendido com motorista escolar
-
Santo Tirso2 semanas atrás
Caminhada Solidária “Laços de Maio” regressa a Santo Tirso a 11 de maio