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Vozes da Psicologia | (Des)Conectar: o Apagão da vida real

São vários os estudos que mostram o impacto negativo das telas na saúde, nomeadamente através de uma correlação significativa entre o uso excessivo de ecrãs e alterações no sono – através da diminuição da produção de melatonina – do aumento dos níveis de depressão, ansiedade e défices de atenção e concentração severos.

Jornal do Ave

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Num mundo cada vez mais conectado, torna-se imperativo refletir sobre os efeitos colaterais desta ligação permanente. A dependência digital, um fenómeno crescente na sociedade contemporânea, refere-se ao uso excessivo, descontrolado e compulsivo de dispositivos tecnológicos — sobretudo da internet e redes sociais — que compromete o funcionamento saudável da vida pessoal, profissional, académica e social dos utilizadores. Em Portugal, 1 em cada 5 portugueses está em risco de desenvolver dependência digital, e que 1 em cada 4 jovens utiliza as redes sociais mais que 6 horas por dia.

Embora os avanços tecnológicos tenham trazido benefícios inegáveis, os seus impactos na saúde mental não podem ser ignorados. A gratificação instantânea proporcionada pelos “gostos”, notificações e mensagens reforça o comportamento de uso contínuo, bem como a verificação constante das telas. A abordagem cognitivo-comportamental destaca a influência de padrões de pensamentos negativos e comparações constantes com os outros como fatores que exacerbam os níveis de ansiedade, da baixa autoestima e da insatisfação pessoal.

As consequências físicas e psicológicas desta dependência são alarmantes. São vários os estudos que mostram o impacto negativo das telas na saúde, nomeadamente através de uma correlação significativa entre o uso excessivo de ecrãs e alterações no sono – através da diminuição da produção de melatonina – do aumento dos níveis de depressão, ansiedade e défices de atenção e concentração severos. Nos jovens, observa-se ainda uma redução das competências socioemocionais e do rendimento escolar, bem como um aumento do isolamento social, de comportamentos autolesivos e do comportamento sedentário. Do ponto de vista cerebral, observa-se uma libertação excessiva de dopamina, sobretudo na questão dos likes e notificações constantes, que estimula o sistema de recompensa cerebral num ciclo de reforço muito semelhante ao de outros vícios. Alguns estudos indicam também que o uso intensivo afeta áreas do cortex pré-frontal, relacionado com o autocontrolo e tomadas de decisão.

Importa, por isso, reconhecer os sinais de alerta não só na própria pessoa, mas também nas filhas e filhos que possam estar imergidos nas tecnologias. São vários os sinais, mas entre eles incluem-se a irritabilidade quando não se tem acesso à internet, ou quando sabem que vão estar num local sem internet, a necessidade crescente de passar mais tempo online, o desinteresse por atividades que anteriormente proporcionavam prazer, a negligência das responsabilidades quotidianas e o uso da tecnologia como única fonte de bem-estar. Quando estes sinais se tornam recorrentes, podemos estar perante uma situação que exige intervenção especializada.

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Apesar da gravidade do problema, existem caminhos possíveis para promover uma relação mais saudável com o mundo digital. A regulação consciente do tempo de ecrã, a definição de horários e espaços livres de tecnologia, o incentivo à prática de atividades ao ar livre e o fortalecimento das relações interpessoais presenciais são medidas eficazes. Acresce a importância da literacia digital, tanto em contextos familiares como escolares, para capacitar os utilizadores — sobretudo os mais jovens — a gerir a sua presença online com equilíbrio e responsabilidade.

De modo geral, as tecnologias digitais não são, em si mesmas, boas ou más, são antes ferramentas que têm a potencialidade de ter benefícios para a nossa vida, mas que, em função da forma como as utilizamos, também nos podem expor a riscos e perigos que impactam a nossa segurança e saúde. A dependência digital é um desafio complexo que exige respostas integradas da sociedade, das escolas, dos decisores políticos, mas sobretudo das famílias. O progresso tecnológico é inevitável e desejável, mas não pode vir à custa do bem-estar psicológico e da saúde. Urge, pois, educar para um uso consciente da tecnologia, resgatando o valor da atenção plena, do tempo livre e da convivência real — elementos essenciais para uma vida saudável num mundo cada vez mais virtual.

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